quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
















fotos Irene Santos


quinta-feira, 27 de novembro de 2008


Quatro Shakespeares, por Luis Augusto Fischer em Zero Hora

No centro do Expresso Porto Alegre: Estación Montevideo, patrocinado pela Prefeitura de Porto Alegre lá na capital uruguaia, esteve o teatro porto-alegrense. Foram quatro peças, três das quais no Solis, o teatro maior do país. Teatro porto-alegrense quer dizer aquele pessoal teimoso e valente, de valor inestimável, que não deixa a peteca cair, por mais distante que esteja do mundo glamouroso e endinheirado da teledramaturgia global...
...Não se tratou meramente de quatro encenações, mas de quatro Shakespeares: dois Hamlet, um Sonho de uma Noite de Verão e uma Tempestade. Para uma cidade com teatro que vive precariamente, é um verdadeiro espetáculo de força e de maturidade. O Hamlet dirigido por Luciano Alabarse já foi bastante comentado: um espetáculo clássico, que levou ao palco tudo o que está no texto original, com figurinos de época e requintes notáveis como a ótima trilha de Mateus Mapa. Sonho eu não tinha visto por puro conformismo meu, que deve ser igual ao do leitor: vivendo numa cidade periférica no país, o leitor e eu, ainda que cultos, pensamos que este esforço local não merece tão facilmente nossa audiência. Pois esta montagem, de Patrícia Fagundes, é uma maravilha de concepção e execução, que conta com desempenhos magníficos como o de Heinz Limaverde. Se voltar a cartaz, barato leitor, não perca, de modo algum.
Mas o que realmente me impactou, fazendo todo o meu conformismo porto-alegrense transformar-se em vergonha, foi o Hamlet Sincrético, concebido e dirigido por Jessé Oliveira. Absolutamente sensacional, original, forte, bem pensado, com um alcance crítico que vem do século de Shakespeare para o Brasil de hoje: Jessé teve o vislumbre de gênio de fazer a velha ordem, do tempo de Hamlet pai, o assassinado, ser marcada por elementos das religiões afro-brasileiras, deixando a nova ordem, a do Cláudio usurpador e a do atormentado Hamlet filho (o comovedor Juliano Barros), ser assinalada pela conversão a um pentecostalismo carola e tolo. Isso e mais pontuações inspiradas, que incorporam rap, celular e batuque negro, tudo integrado a serviço de contar a mesma história do gênio inglês.
Prezado leitor, caro leitor: se houver a chance de uma nova temporada, não perca, por nenhum motivo. Jessé e sua turma engrandeceram Porto Alegre e, sem exagero, o legado de Shakespeare.

Um Hamlet Negro na Casa dos Loucos!!! por Sandro Solaz Willig

O que fazer com um clássico da dramaturgia ocidental? Esta pergunta que perturba qualquer encenador contemporâneo foi respondida pelo grupo Caixa Preta de maneira primorosa. “Hamlet Sincrético”, montagem dirigida por Jessé Oliveira e que está em cartaz no Hospital Psiquiátrico São Pedro, trouxe vigor e frescor para o texto shakespeareano a partir de elementos de uma cultura que é, antes de tudo, cênica. A cultura negra afro-brasileira é a voz que profere e dá o tom à montagem em questão. Através da riqueza dos gestos, do ritmo, da dança, do canto e da palavra, Hamlet foi revitalizado através dos olhos do sincretismo. O mito escandinavo que fala da origem do homem moderno europeu, este homem que se impõe a nós e que de algum modo “é” nós, encontra o descendente africano em terras americanas e renasce para contar a história de um homem em conflito com sua própria origem, traído por ela e receoso frente à atitude que deve tomar. Homem que diante da crueldade, prefere a sutileza do símbolo, do teatro, da denúncia encenada... E que acaba, contudo, envenenado por seu próprio verbo!

O grupo ressignificou o mito emprestado pelo autor renascentista, William Shakespeare - que misturava Poética Clássica com Comédia popular, e que era uma espécie de primeiro (pós) moderno em plenos anos 1500 – através de seus próprios meios: a energia dos orixás, do samba, do carnaval e da exuberante tradição africana. Este bravo elenco está empurrando a roda da nossa trajetória mítica, literária e dramática. Seus excelentes atores – com destaque para a tocante interpretação de Glau Barros - narram a história melancólica, angustiada, impulsiva, desesperada e, deste modo, trágica de um herói-atado a partir de um debruçamento cuidadoso e original presente em cada cena. Tudo isso coloca a montagem à altura de um texto que transita por entre os abismos da experiência humana e que vislumbra o que há de contraditório em seus aspectos mais mórbidos e fascinantes.

Finalmente, os excluídos se manifestam!!! Viva a voz dos amordaçados! Libertada, enfim, nesta casa abandonada onde outrora viveram aqueles que não eram tão bem vistos por nós. E, ironicamente, nunca nos esqueçamos da verdade: que somos uma sociedade que carrega em seu seio séculos de escravidão! De dominação desumana. Que bom que o Caixa Preta está tomando as palavras de um gênio desta civilização – que, como todas, produz seus algozes e suas vozes - para alardear a força que eles têm. Que o trabalho de um jovem grupo negro continue crescendo inifinitamente! E que ocupe mais e mais os teatros desta cidade!
ator e diretor teatral formado em Ciências Sociais pela USP; fundou e integrou o Grupo Teatro de Narradores em São Paulo e fez parte da equipe do Projeto Teatro Vocacional da SMC de São Paulo.

DESSASOSEGO, UN HOMBRE INDIGNADO Y HAMLET SINCRETICO, por Jorge Arias - Jornal La republica - Uruguai

"Hamlet sincrético", bajo la aplicada dirección de Jessé Oliveira, tuvo la energía de "Dr. Q. Quriosas Qomedias, de "Qorpo Santo", pero tuvo a Shakespeare, al Umbanda, a los ritos y alegrías de la etnia negra en una cómoda aleación: Hamlet es asociado a Xangó, que es la justicia, Polonio a un pastor evangélico. La tragedia clásica y su atmósfera fueron concienzudamente escenificadas; las escenas de canto, baile y a veces acrobacia, con arrolladora percusión y ganas de bailar, operaron como interludios que aliviaron y contrastaron, pero no quebraron, la historia de la venganza del príncipe. Lo referido a Shakespeare tuvo autenticidad y fuerza, el folclore, el canto y el baile, con un inolvidable rap entre Hamlet, Rosencranz y Guildenstern, lo tuvieron mucho más. El rey Claudio tuvo un empaque de gansgter, en el estilo de la "Opera do malandro", la reina Gertrudis fue majestuosa y digna; confesamos nuestra simpatía por Ofelia (Glau Barros), llena de vida y con una de las mejores sonrisas de Porto Alegre, hasta cuando ha de morir; muy distinta, pero no menos genuina, de la vegetal y casi líquida de Millais. Hamlet (Julián Barros) merecería un capítulo aparte por sus múltiples dones de actor, lo mismo Polonio (Silvio Ramao), Laertes... pero nada del resto es silencio. El espectáculo de "Caixa Preta" debe figurar entre lo mejor que hemos visto en este festival.

CAIXA-PRETA E SHAKESPEARE, Por Viviane Juguero



O grupo Caixa Preta, dirigido por Jessé Oliveira, surpreende em Hamlet Sincrético devolvendo a fluência poética, o envolvimento sensorial e o diálogo afetivo e intelectual com o público à uma das obras mais consagradas da literatura mundial. É a segunda vez que vejo um grupo atingir a essência da obra de Shakespeare. A primeira foi com o Grupo Galpão, em seu maravilhoso Romeu e Julieta. O respeito à sacralizada obra de Shakespeare tem nos apresentado montagens acadêmicas demais, repletas de técnica e carentes do jogo lúdico, fundamental na obra do grande autor elizabethano.
Hamlet Sincrético consegue aliar todos esses elementos. A cada minuto, somos tomados por diversas cenas repletas de significação. Como imaginar que a cultura afro-brasileira, apresentada em suas diversas manifestações: os orixás, o samba e o rap, dentre outras coisas, se encaixaria tão bem a uma obra escrita na Inglaterra do séc XVI? No entanto, não é necessário que se estude semiologia ou se conheça profundamente as religiões afro-brasileiras para que se compreenda e, principalmente, se vivencie o espetáculo.
A opção do grupo por ora subverter os diálogos criados pelo autor – deixando que os mesmos explicitem a época, a classe social e a cultura dos personagens –, ora utilizar as falas shakespeareanas tem um resultado surpreendente. Não esperem que a cena pare, a trilha sonora e a iluminação criem um clima sofisticado e o ator declame “citações” do texto de Shakespeare. Tudo acontece de forma extremamente natural. Duvido que alguém que não tenha lido a peça possa dizer “Hum... Aqui temos uma fala presente na obra original.” Isso não é possível porque o grupo se apropriou da vida dessa obra, utilizando-a a seu serviço, mas respeitando essa opção. Como Shakespeare, o espetáculo é crítico, sem ser sisudo e acessível, sem deixar de ser complexo. É um jogo entre a beleza e a criatividade.
* Atriz, diretora e dramaturga