quinta-feira, 27 de novembro de 2008

CAIXA-PRETA E SHAKESPEARE, Por Viviane Juguero



O grupo Caixa Preta, dirigido por Jessé Oliveira, surpreende em Hamlet Sincrético devolvendo a fluência poética, o envolvimento sensorial e o diálogo afetivo e intelectual com o público à uma das obras mais consagradas da literatura mundial. É a segunda vez que vejo um grupo atingir a essência da obra de Shakespeare. A primeira foi com o Grupo Galpão, em seu maravilhoso Romeu e Julieta. O respeito à sacralizada obra de Shakespeare tem nos apresentado montagens acadêmicas demais, repletas de técnica e carentes do jogo lúdico, fundamental na obra do grande autor elizabethano.
Hamlet Sincrético consegue aliar todos esses elementos. A cada minuto, somos tomados por diversas cenas repletas de significação. Como imaginar que a cultura afro-brasileira, apresentada em suas diversas manifestações: os orixás, o samba e o rap, dentre outras coisas, se encaixaria tão bem a uma obra escrita na Inglaterra do séc XVI? No entanto, não é necessário que se estude semiologia ou se conheça profundamente as religiões afro-brasileiras para que se compreenda e, principalmente, se vivencie o espetáculo.
A opção do grupo por ora subverter os diálogos criados pelo autor – deixando que os mesmos explicitem a época, a classe social e a cultura dos personagens –, ora utilizar as falas shakespeareanas tem um resultado surpreendente. Não esperem que a cena pare, a trilha sonora e a iluminação criem um clima sofisticado e o ator declame “citações” do texto de Shakespeare. Tudo acontece de forma extremamente natural. Duvido que alguém que não tenha lido a peça possa dizer “Hum... Aqui temos uma fala presente na obra original.” Isso não é possível porque o grupo se apropriou da vida dessa obra, utilizando-a a seu serviço, mas respeitando essa opção. Como Shakespeare, o espetáculo é crítico, sem ser sisudo e acessível, sem deixar de ser complexo. É um jogo entre a beleza e a criatividade.
* Atriz, diretora e dramaturga

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